Fabiana_04Abr (22)

“A coisa mais valiosa que você pode oferecer a uma criança é tempo”

 Vendo um filme, encontrei essa frase, que entrou em mim e como num encaixe perfeito, produziu aquele estalo de quando as coisas fazem sentido. É isso que devemos oferecer a essas crianças, que nasceram nesse mundo de pressa, de atingir níveis de conhecimento, superar limites, bater metas. É nosso trabalho, como educadores, oferecer a elas tempo, que é algo tão valioso hoje, justamente porque é tão raro.
Me lembro que, quando criança, passava as férias na casa da minha vó. Acordava mais cedo que meus pais e me sentava no quintal ao lado dela, esperando a kombi trazer leite e pão. Éramos só nós duas lá e o chão da rua de terra que trazia um pouco de poeira para dentro da casa, lentamente. Minha vó talvez tenha sido meu maior símbolo de calma, até pela geração em que nasceu. Ela tinha um sorriso que dizia “está tudo bem, vai ficar tudo bem, ame mais e se exija menos”.

Espero que não nos esqueçamos de oferecer às crianças um pouco daquela paz que minha vó me oferecia. Porque cada encontro tem um tempo diferente, porque vai sem pressa, vai no tempo de cada um. Dar às crianças um respiro no meio disso tudo que é o mundo de hoje é o mínimo que podemos fazer. Pode chorar, pode brincar, pode dançar, pode gargalhar e pode ler.O tempo do encontro de uma criança com um livro, por exemplo, vai muito além da duração da leitura. Descobrir um livro novo numa prateleira é uma experiência de paixão. Pode ser a cor da capa, seu tamanho, uma imagem ou a configuração das letras, nunca sabemos ao certo. Paixão não se explica. De repente, eles aparecem, com um livro na mão, me pedindo que leia. Não é preciso de muito para que logo outras crianças se aproximem para ouvir também. Um dia desses, esqueci de ler as informações da capa e Benjamin logo me interrompeu: “Mas quem escreveu esse livro? E quem desenhou?”. Cada livro é uma experiência, que deve ser vivida com calma, com tempo e aos poucos. Depois que acaba, é bastante provável que a criança peça para que a história seja relida algumas boas mil vezes, mas nunca é a mesma leitura.

Como educadora, me sinto privilegiada por ter tempo para esses momentos. Espero que, dessa forma, eles aprendam que mais do que as exigências e metas que a sociedade nos impõe, valem os encontros, as descobertas e as paixões. Cada um no seu próprio tempo, chegaremos lá.

Ana Luísa Rodrigues é educadora de coração, formada em Letras, pela USP. Trabalhou alguns anos dando aula para alunos do Ensino Infantil e Fundamental I. Depois de ter morado um ano em Paris, voltou decidida a pesquisar novas formas de educação que não se restringissem apenas à escola. No último ano, montou um projeto de educação informal, que chamou de Pr’além da Escola, com o objetivo de explorar diferentes espaços de aprendizagem e convivência entre crianças de 2 a 5 anos. Hoje trabalha na área de Língua Portuguesa em uma escola democrática, com alunos do Ensino Fundamental II.

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