Férias e o afastamento da rotina
Seja por força dos discursos de autoajuda, da sociedade de consumo ou desses animais que nomeiam o ano a partir do nosso horóscopo, é um fato: sempre que o ano começa, começa também um novo ciclo. Janeiro carrega em si esse gostinho de silêncio, em que podemos olhar com alguma distância para nossa rotina barulhenta de todos os dias. Perguntas como “o que eu estou fazendo da minha vida?”, “quais são as minhas resoluções pra esse ano?”, “por que eu ainda insisto nesses velhos hábitos?” são bastante corriqueiras nessa época do ano.
Para as crianças, o efeito se dá de jeitos diferentes. Choros para se despedir do pai ou da mãe, pede-se mais um colinho, mais um abraço, antes de entrar na escola. Elas não se dão conta do tanto que aprenderam no ano anterior para colocar na balança na hora de experimentar um ano novo. Essa noção quantitativa que aprendemos conforme crescemos nos ajuda em muitos momentos, mas nos atrapalha na medida em que nos impede de viver o que está acontecendo. Estamos o tempo todo comparando sorrisos, tristezas, dias de calor, de chuva, o natal do ano passado com o desse ano e como será o próximo. Fica difícil olhar para a vida com tanta sujeira de tempo impregnada. Mas para as crianças, não. Elas apenas estão. No momento, no sorriso, no choro, no conflito, no encontro. Elas são capazes de, mesmo depois de dois meses longe de você, tratarem com leveza o reencontro, nos ensinando que os laços construídos de verdade não se desfazem com o tempo. Enquanto pra nós adultos é preciso esforço para cultivar as relações, as crianças mantêm contato pelo olhar, pelo toque, te chamando pra escorregar na grama ou pra contar que visitaram uma praia com nome de Baleia, mas que não tinha baleia lá.
Claro que esse momento de afastamento é importantíssimo, porque sempre que nos distanciamos de algo, olhamos para isso com outros olhos, já que estamos em outro lugar. Precisamos desse respiro para avaliar com calma como estamos vivendo nossas vidas, no dia-a-dia. Minha mãe já dizia, a vida é feita nos detalhes. Mas não podemos nos deixar engolir por essas comparações e expectativas, ou se não nos perderemos cada vez mais nos contatos com o outro. No final das contas, nos resta aprender com as crianças a parar e avaliar se estamos vivendo nossa rotina de um jeito que nos faz bem. Não dá pra viver esperando as férias chegarem.
Que venha o novo ano.
Ana Luísa Rodrigues é educadora de coração, formada em Letras, pela USP. Trabalhou alguns anos dando aula para alunos do Ensino Infantil e Fundamental I. Depois de ter morado um ano em Paris, voltou decidida a pesquisar novas formas de educação que não se restringissem apenas à escola. No último ano, montou um projeto de educação informal, que chamou de Pr’além da Escola, com o objetivo de explorar diferentes espaços de aprendizagem e convivência entre crianças de 2 a 5 anos. Hoje trabalha na área de Língua Portuguesa em uma escola democrática, com alunos do Ensino Fundamental II.