Todo mês vamos postar aqui, textos da educadora Ana Luisa Rodrigues que dialogam sobre nosso pensamento sobre a infância. Boa leitura!
– Tá todo mundo feliz com esse combinado?
Essa é uma fala recorrente na minha vida, como educadora, mas também como pessoa. Normalmente, o cenário é: duas crianças disputam pelo mesmo brinquedo, uma tem mais poder do que a outra e, por isso, a parte mais desfavorecida procura a minha ajuda para resolver a questão.
Elas olham para mim como se eu fosse um juiz. Um elemento imparcial na relação, que não tem sentimentos e que por isso vai saber resolver a questão da maneira mais justa. Muitas vezes, isso é verdade. Se eu estiver atenta, consigo fazer esse julgamento e repassar as coordenadas do que deve ser feito – quem brincou muito empresta pra quem não brincou ainda; cada um brinca um pouco e depois empresta etc. E não digo que seja algo que eu não faça. Às vezes, o trabalho de não interferir é tão duro, que a gente não se controla mesmo. E assim vamos ditando as regras, já que precisamos delas para viver, o ideal é que sejam as mais justas possíveis.
Resolver os problemas para as crianças ensina que eu, por ser adulta, sei um pouco mais sobre o bem-estar nas relações. Acredito nisso também, mas sei que resolver por eles tira deles a chance de passar pelo processo pessoal de auto conhecimento. É preciso deixar espaço para que a criança reconheça seus próprios limites, entenda como o mundo funciona dentro dela, para que ela tenha consciência da forma com que suas escolhas afetam o outro.
Se falamos de afeto, falamos em sentimento e por isso me ocorre que a melhor pergunta para mediar conflitos é essa que envolve o fator felicidade. “Tá todo mundo feliz com essa decisão?” mostra que, num conflito entre duas pessoas que pensam e sentem diferente, é perda de tempo tentar avaliar o que é certo do que é errado, ou ainda, contaminar as relações com moralismos, buscando um modo de vida padrão em que deveríamos ser todos iguais. Não, não somos todos iguais. O que me machuca, não te machuca. O que eu faço, você talvez nunca fará. Por isso, é fundamental que estejamos alinhados com quem somos, para reconhecer se estamos felizes naquela relação ou satisfeitos com a resolução do conflito.
Não somos iguais, mas podemos igual. O mais bonito das relações é que elas são democráticas. Se uma das partes não estiver feliz, cria-se um nó. Pode ser que na hora ele desapareça, dando a impressão de que o problema foi resolvido, mas esse conflito reaparecerá de outra forma, em outro brinquedo, em outro momento. E essa questão continuará existindo até que o conflito seja de fato resolvido, até que a criança consiga olhar para si mesma de verdade e entender o que machuca.
Nesse processo, longo e intenso, cabe a nós adultos – pessoas que supostamente sabem lidar melhor com os conflitos do mundo – escutar, acolher e esperar. Quando o processo se finaliza, fica claro para todo mundo que um nó foi desfeito, pois vê-se no sorriso tranquilo que as duas partes envolvidas naquela relação estão felizes. Quase sempre quando o conflito se finaliza genuinamente, a criança se dá conta de que o brinquedo nem era o personagem mais importante naquela relação. Esse é, pra mim, o aprendizado da generosidade. Viver feliz ao lado de outras pessoas, aceitando que elas pensam, sentem e querem coisas diferente de nós. Entendendo que eu não posso passar por cima do outro porque estou triste. Pelo contrário, que fazer o outro feliz também me faz feliz. Respeitando e acolhendo o que cada um espera numa relação. Criando acordos, laços de afeto, em que todos estejam felizes. Porque a vida não é uma disputa entre o que é meu e o que é seu, mas uma construção do que é nosso.
Ana Luísa Rodrigues é educadora de coração, formada em Letras, pela USP. Trabalhou alguns anos dando aula para alunos do Ensino Infantil e Fundamental I. Depois de ter morado um ano em Paris, voltou decidida a pesquisar novas formas de educação que não se restringissem apenas à escola. No último ano, montou um projeto de educação informal, que chamou de Pr’além da Escola, com o objetivo de explorar diferentes espaços de aprendizagem e convivência entre crianças de 2 a 5 anos. Hoje trabalha na área de Língua Portuguesa em uma escola democrática, com alunos do Ensino Fundamental II.
Achei bem pertinente a frase em que não somos iguais, somos como seres humanos, mas distintos em divesas formas. E a resoluão do conflito objetivando a felicidade dos envolvidos, tbém achei interesante. E o dar importância aos sentimentos da riança e na verdade de todo mundo é muito importante, é tão bom enxergar , perceber as pessoas, além do fisico, além das palavras. Parabéns por essa coluna