Parte 2 das entrevistas realizadas para a publicação “Literatura na Cesta Básica: Tempo de Elaborar as Experiências” em 2014.
Olha a literatura, freguesa! com a palavra, os frequentadores
Laldicéia Gomes da Silva Souza freqüenta a biblioteca há cerca de seis meses. Estava caminhando por perto, resolveu perguntar sobre o projeto, interessou-se, fez o cadastro e hoje leva os netos Mateus e Josi.
“Eu acho que é um incentivo muito bom para as crianças. A partir daí, elas começam a ter o gosto pela leitura. Nas escolas, principalmente da Prefeitura, eles tem o espaço deles lá, as crianças trazem livros, mas não ficam muito interessadas. Mas aqui elas têm mais interesse”, afirma.
No dia desta conversa, o grupo Caixa de Imagens havia feito a intervenção artística Milhor, a partir do universo do escrito Mário de Andrade.
“Quando eu vim aqui, não tinha muita criança. Hoje eu achei que tem mais até adulto. Os adultos também estão se interessando. Hoje mesmo eu amei a historinha que foi contada, achei lindo”, conta.
Você vem percebendo uma certa diferença dos seus netos na relação com os livros?
A Josi já melhorou muito bem a leitura. Está lendo perfeitamente, depois do projeto. Ela não lia direito. O Mateus não se interessava em mexer no livro. Hoje já olha, já se interessa pela história. Hoje ele está ali mexendo em outra coisa, mas eles gostam. Os livros que eles levam, eles lêem.
(Mateus se aproxima e passa a participar da conversa)
Mateus, o que você acha do projeto?
Legal. As coisas que vocês colocam na árvore… (referindo-se aos cordéis e fotos penduradas em fios entre as árvores) Fazem teatro, dá pra pega livros novos…
Por que você gosta de vir aqui?
Porque tem muito livro que eu nunca vi, são legais e eu gosto.
“Esse projeto, eu conheço já há muito tempo. Quando era o meu pai que estava aqui [na banca de flores], às vezes eu vinha com a minha filha. Ela às vezes participava, levava três livros e se divertia bastante. Aí ela pedia pra gente contar tantas vezes a mesma história. Agora como eu perdi meu pai há pouco tempo, ele faleceu, aí não dá tempo de eu trazer a minha filha, ela está na escola também. Mas ela até pergunta às vezes [sobre o projeto]”.
A fala é de Rogério Rebelo, vendedor de flores em uma banca localizado do outro lado da calçada da praça José Ênio da Silveira.
Qual a importância que você identifica no projeto?
Eu acho muito legal, porque as crianças se interessam mais até por escola, melhora a educação. Hoje a gente vê cada criança que não tem nada disso, sem educação, que não respeita os pais. É muito ruim. Às vezes os pais não têm tempo pra criança, aí fica desse jeito. Um lugar pra elas se distraírem um pouco é muito bom.
Você acha que o fato de existir esse projeto muda alguma coisa aqui no bairro?
Acho que sim. Vocês vêm de quinze em quinze dias. E teve vezes que vocês não estavam aí, chegavam as crianças com os pais perguntando que horas vocês iam chegar. Eu falava:
“não sei, às vezes chega um pouco mais tarde, às vezes o tempo está feio, não veio por causa da chuva”.
A gente fala isso, mas é superlegal.
Rogério voltou a emprestar livros para a filha de cinco anos; assim, mesmo que ela não possa freqüentar o projeto por coincidir com o horário da escola, pode usufruir dessa forma.
Maria Vanusa de Resende Jesus trabalha na barraca de verduras da feira livre e empresta livros na biblioteca para suas três filhas, de 15 a 8 anos.
O que você pensa sobre o projeto?
Eu acho que o projeto é muito bom. Através dele é que as minhas filhas começaram a gostar de ler. A mais velha tem 15 anos e ela lê muito. Ela aprendeu a ler com o projeto. A partir daqui que eu comecei a levar livro.
As outras lêem também, mas ela é que se interessou muito. Ela compra livro. Eu dou dinheiro pra ela comprar um presente, qualquer coisa, ela compra livro, livro, livro. Então, eu acho que foi através do projeto, incentivou muito. Eu pergunto pra ela o que ela gosta de fazer:
“eu gosto de ler, mãe”.
Pra ela, foi muito bom.
Desde quando você empresta livros?
Desde que começou o projeto. Eu achei muito interessante. Eu levo sempre. E elas lêem, até eu leio. Vou lendo no caminho.
O que mudou na vida de vocês?
Em relação às outras, mesmo quando a pequena não sabia ler, ela ficava pedindo pra eu ler pra ela:
“mãe, lê pra mim”.
Eu achava interessante porque ela não sabia ler, então, eu lia pra ela e, um dia, ela pegou o livro e falou:
“Mãe, eu posso ler pra você?”
Aí ela ficava vendo as ilustrações do livro e contando a história. Ela ficava interpretando e me contando. Eu achei muito interessante isso, ela aprende a perceber as coisas, a entender a história. Mesmo sem saber ler, ela entendia o que estava escrito. Achei muito prazeiroso.
Quantos anos ela tinha?
Ela tinha seis anos. Ela não lia ainda. Eu ficava brigando:
“tem que ler, tem que aprender”.
Ela interpretava o livro e lia pra mim depois.
Você acha que mudou algo no entorno pelo fato de existir esse projeto aqui?
Eu vejo muitas mães que passam aqui com as crianças e falam:
“vou dar uma passadinha ainda lá”.
As crianças pedem pra ir lá. Às vezes a mãe está com pressa, mas de a criança pedir, tiram um tempinho e vão lá. Eu fico de olho, né? Eu vejo as mães levando lá pra ler. Eu acho que foi bom pra todo mundo. Eu não vejo em nenhum lugar esse projeto, só nessa feira. Espero que continue, que nunca acabe o patrocínio, que tenha sempre alguém interessado em ajudar.
Na Praça José Ênio da Silveira, ao lado do espaço da biblioteca comunitária, funciona uma barraca de pastel e uma outra de caldo de cana. Na de pastel, entre outras pessoas, trabalha uma senhora muito simpática, de traços orientais. É a Dona Helena da Silva, que falou conosco sobre o que pensa a respeito do Literatura na Cesta Básica, pelo o que vem observando de sua barraca ao longo destes anos.
“Pra mim, é um desenvolvimento para criança. Pelo menos, a criança não está perdendo tempo. Eles estão aí… abrindo a mente. Se eles ficam aí sentados ouvindo, isso é muito importante. Só de ver criança sentada ali, pra mim, nossa… O meu netinho gosta também de ficar ouvindo. Mas ele está na escolinha, por isso que a gente não traz. Vocês estão de parabéns. Ainda mais lidar com criança, porque ninguém tem paciência, nem os próprios pais estão tendo paciência, né? Isso é um orgulho”, afirma.
“Eu acho bom também que nem são só as crianças que param pra ler. Às vezes até uns adultos param pra pensar um pouco. Isso é bom porque as pessoas ocupam a mente”, opina Willian, que trabalha na barraca de caldo de cana.
Além do trabalho de mediação de leitura de empréstimo de livros, Dona Helena observa outras atividades que acontecem no espaço, como a ação “Entre fraldas, chupetas e histórias”, em que os mediadores, além de ler os livros, cantam cantigas populares para bebês e crianças pequenas.
“Às vezes, quando você fazem aquela brincadeira de cantar, nós até gostamos daqui. A menina [que trabalha na barraca] até falou: ‘será que não vai ter mais?’”.