Fabiana_CiaCircodeTrapo (138)

A limpeza na escuta

Nunca foi fácil, mas parece que ultimamente tem sido impossível escutar o que o outro tem a dizer. Porque as palavras do outro são sempre diferentes das que a gente gostaria de ouvir ou de ler. Em dias como esses, é fácil odiar ainda mais nossos já classificados inimigos nas redes sociais a cada novo post. E compartilhar, ridicularizando. E ganhar likes e comentários dos que pensam parecido com a gente. Difícil mesmo é aceitar quando essas pessoas, as que classificamos como amigos e cultivamos algum tipo de afeto, dizem e escrevem coisas que não concordamos.

Eu discordo dos meus amigos o tempo todo, em todas as redes sociais e reais que nos encontramos. Discordo deles durante a semana no grupo do whatsapp e discordo deles pessoalmente no final de semana. Sinto raiva, vontade de estrangulá-los, de colocar uma fita silvertape em suas bocas e só tirar quando eles concordarem plenamente comigo. Nunca aconteceu. O que acontece frequentemente, na realidade, é que sempre acabo a discussão olhando para as coisas de um lugar novo e agradecendo por ter os melhores amigos do mundo.

Melhor cairmos logo na real: o mundo não é espelho. Em momento nenhum você vai ouvir ou ler apenas o que você pensa, concorda, assina em baixo. Inclusive, caso isso esteja acontecendo com você, melhor rever o modo como você se relaciona com as pessoas.

Os tempos são árduos, a gente sabe. A velocidade dos fatos políticos nos obriga a ter um posicionamento novo todos os dias. Os jornais nos mostram – de modo bastante deturpado, é verdade – novos acontecimentos a cada segundo e nós somos obrigados a ter uma opinião sobre tudo. Como os professores costumam dizer aos seus alunos, o problema é que quando falamos todos ao mesmo tempo, ninguém se escuta. Nessa disputa de vozes, verdades se sobrepõem e fica impossível chegar a um lugar mais claro.

Uma querida amiga já dizia: é preciso limpar nossa escuta. É preciso aprender a ouvir sem ficar procurando um deslize no discurso do outro, sem ficar preparando um contra-ataque, uma próxima resposta. Segurar a vontade de interromper, engolir seco e não ficar buscando uma brecha num respiro do discurso alheio para enfiar um pouco do nosso. Conversar não é lutar. O objetivo de uma discussão não é fazer o outro concordar com você. Esse é o objetivo do autoritarismo.

Limpar a escuta é um trabalho diário desafiador, especialmente quando estamos tão convictos de nossos ideais. Aceitar que o outro fala de um outro lugar é duro, mas extremamente necessário, ainda mais em tempos como esses. O mundo não é um só e, definitivamente, não é fácil – ainda bem. Há beleza e aprendizado no caos, fique um pouco em silêncio e você vai encontrar. Aprecie.

Ana Luísa Rodrigues é educadora de coração, formada em Letras, pela USP. Trabalhou alguns anos dando aula para alunos do Ensino Infantil e Fundamental I. Depois de ter morado um ano em Paris, voltou decidida a pesquisar novas formas de educação que não se restringissem apenas à escola. No último ano, montou um projeto de educação informal, que chamou de Pr’além da Escola, com o objetivo de explorar diferentes espaços de aprendizagem e convivência entre crianças de 2 a 5 anos. Hoje trabalha na área de Língua Portuguesa em uma escola democrática, com alunos do Ensino Fundamental II.

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